quinta-feira, novembro 22, 2007

Id

Velho. Sente-se velho. Pesa-lhe a terra inteira sob os pés a cada passo, pesa-lhe todo o universo em cada respirar.

Na beira da pedra onde escolheu sentar-se, pesa-lhe, sobre a curvatura das costas, todo o tempo que viveu. Na palma da mão esquerda plana-lhe o olhar vazio, sem admiração contempla o enxame de galáxias que guarda no seu punho.

Que nome lhe dar? Na falta de não poder escolher nenhum ter, tem-nos a todos, porque no seu entender tudo e nada significam o mesmo.

O Velho não tem língua, conquistou o sagrado silêncio à custa de cortar a sua própria língua e lançá-la aos vermes que vivem no abismo da sua mente. Nos raros momentos em que se sente só, como no dia em que se sentou na pedra, limita-se a esticar o pescoço para os céus e abrindo a boca faz vibrar a sua garganta num profundo ecoar que se une no eterno movimento.

Ao Ermita ninguém olha nos olhos. Resvalaram os pés no limite do vazio negro e circular dos que tentaram.

Passaram muitos dias desde que se sentou na pedra, dias e noites. Desabaram nuvens por inteiro sobre o seu corpo e o Abandonado, imóvel como uma estátua, vibrante e ressonante de cabeça erguida às estrelas até finalmente mergulhar profundo no seu silêncio, dispersando a solidão como se um bando de aves fosse.

Os seus desesperos eram feitos à medida da sua natureza, chamaria todos os Homens até si, tivesse ele língua para falar, para de uma só vez os reduzir a cinza na palma da sua mão. E a si não se pouparia, Ódio, desprezava-se igualmente, por vezes numa fúria desmedida fazendo agitar os mares e os solos revolverem. O seu ódio era tão perfeito quanto completo, do exacto tamanho do seu amor.

Na verdade amaldiçoava o dia em que tinha trocado o incesto com dragões para conhecer o Homem. Na verdade, a Verdade, amava de forma igual a sua actual simetria.

E então caminhou para longe da pedra esquecido do que o fizera sentar.