sexta-feira, novembro 07, 2008

A dádiva

Ele andava perturbado, assombrado. Pesava-lhe o semblante interiormente muitas vezes ao dia. Dava por ele a cair em poços profundos aparentemente por nada, absolutamente por Nada. E quando caia via-se abstraído de onde lhe pousavam os pés, alheio, e sucessivamente ocupava-se a perguntar a esse Nada questões que o deixavam atónito, quase enfeitiçado pelo que lhe pareciam ser as paredes que o limitavam. Enlevado apaixonou-se pelas suas texturas, provava-as questionando, tocava-as com fluentes multidões de infantis porquês - Porquê? Porquê assim, e se assim porquê? Porque Nada?! Então, mas, se porque Nada porquê? - E perseguia esse Nada sem compreender o quão longe do chão ficava, conquistando espaço em cada questão viu-se a deslizar até um ponto em que tudo era apenas isso, pontos suspensos no Vazio, tão longe que não reconhecia a sua casa, o seu lugar. Sentia-se diluído no total do espaço a que chamamos Universo, parte integrante e sensível do mecânico e alheio corpo divino, mas os porquês sucediam-se, sempre a palpar os contornos do Vazio. E tal se tornou a vertigem que até em pleno sono se via mergulhado atormentado pelas suas visões. Sentia-se agora asfixiado pelo próprio Universo sensível, como se nos seus delírios Ele já não fosse por si uma fonte de perguntas, como se esse confinado espaço lhe estivesse agora disposto a deixar passar as fronteiras do firmamento, concedendo aquilo que agora lhe parece inconcebível. Uma dádiva envenenada de questões impossíveis de materializar formalmente.