domingo, janeiro 10, 2010

Homem de Deus.

Uso uma pequena banheira pendurada ao peito. Qual o mistério? E, nos dias em que estou prênho de aflições, torneio a minha mão em volta da fria loiça para chegar a Deus.

Não, obviamente que as torneiras não funcionam.

E não me fere o descrédito dos que me rodeiam, sei que um dia, tal como eu, vão compreender. Pois também eu era descrente. Achava todas as ideias espirituais redutoras, todas elas atalhos para a pequenez. Agora SEI porque sinto.

Chegou-me em forma de sonho-visão a revelação. Se em uma das duas teria de ser, porque não em ambas?

Fui encaminhado, em algo semelhante a um delírio, até um protoestado pré-cósmico onde me foi revelado o evento da criação. Deus, na sua higiene pessoal, banhando-se num duche de mantras em estado liquido, escorregou na banheira. E asseguro-te que a queda foi violenta, a contusão em si, avassaladora. E ainda hoje se encontra prostrado na banheira, num profundíssimo coma, como que a sonhar-nos, tetraplégico. Vejo-o ainda, tanto em sonhos como na simples imaginação, com o chuveiro infinitamente a cobri-lo de mantras - alguns deles com o tempo tornaram-se já em avé-marias - e o pobre infeliz, inconsciente, sem ninguém que o auxilie.

E é por isso que desde sempre os Homens o tentam alcançar. Esse esforço não é mais que o próprio esforço de Deus para se soerguer do coma. Infelizmente, temo que desconheça que se encontra paralisado, e que, caso um dia volte a acordar, o espera uma eternidade sem ter quem o tire da banheira. E muito menos alguém que lhe venha a empurrar a cadeira de rodas ou mudar-lhe as fraldas.

Na verdade não existe qualquer dignidade em Deus. Por isso agora creio Nele. É por isso também, que alguns dos poucos que compreendem a tetraplegia de Deus, o procuram matar. Não é tanto por piedade mas mais por considerarem que embora não seja possível qualquer dignidade Divina, nós ainda temos Direito a tal.

Mas não eu. Sou agora um Homem de Deus. Nem me questiono sobre quem, ou o quê, terá criado Deus, porque encontrei o meu caminho para a pequenez. E muito menos equaciono Ele não existir. O deserto da espiritualidade é uma planície seca onde nem os répteis me ousam visitar. Aqui não É a Morte ou a Inacção mas invariavelmente a morte pela inacção. A subliminal desidratação dos sentidos, a hipnotizadora dança dos escorpiões da auto-ilusão.

Estás a ver?! É nestes momentos assim, quando me começo a sentir perscrutado por olhos de órbitas vazias, que sobrevivo ao sentir o frio da loiça que baloiça pendular no meu pescoço... Então fecho os olhos e oiço claramente o crepitar das gotículas a embaterem sobre o Seu corpo inanimado. Sigo o som a ascender das paredes da banheira, percorro o traçado vibrante das moléculas a transferirem energia de umas para as outras até ao ponto em que toda a casa de banho cósmica se encontra repleta, saturada, de um ressoar imenso. Mas nunca me abandona o horror de saber que Deus não o escuta.