sábado, outubro 11, 2008

V

O pensamento é um local denso. Percorro as ruas a custo, passo a passo, rendilhando a cidade como que perdido, divagando. Sinto os pés pesados como que a andar contra uma corrente que ao olhar para o chão, constato. As ruas são então leitos ocultos sob torrentes de sangue. Com esforço subo mais uma colina por um emaranhado de paralelos e perpendicularidades, dobro a esquina, com mais esforço ainda, e ao contornar o ultimo e maior dos edifícios vejo toda a cidade coberta de um carmim iridescente a desaguar no Tejo. Ao fundo, além da ponte, um orifício incandescente no céu de onde surde a jorro o sangue. Continuo então a caminhar a custo, é tão denso o local dos pensamentos! Ao chegar à Rua Augusta decido subir ao Chiado e ai, subir ainda mais até me cruzar com o Pessoa, onde ele firme e de perna cruzada resiste resoluto ao caudal. Procuro o largo do Camões e não o encontro. No seu lugar há um jardim, um éden vibrante onde me decidi a esperar que a loucura passe na sombra dividida de duas árvores, uma de cerejas cristalizadas, a outra de pêssegos em calda. Virado para a Rua do Alecrim, onde a corrente desaba furiosa, ocupo o tempo a ver a agonia bovina dos arrastados.