Um passo e outro, mais outro ainda, a escuridão dir-se-ia ofuscante pela forma como inunda os olhos ocultando tudo em redor. Um passo, outro passo, aqui e ali gotas que ressoam discretamente e que juntamente com os passos ecoam, quase que timidamente, no espaço. No fim de cada ruído um abismo de algo grave e vibrante, algo verdadeiramente impossível de descrever de forma clara e que se não fosse do conhecimento geral que o som não se propaga no vácuo, alguém pleno de ignorância diria que era fruto dos triliões de corpos que de uma forma ou outra se deslocam pelo universo. Surge então aquele turbilhão de pânicos, aquela insustentável consciência de que temos de fugir do vazio se queremos ser, enquanto em terror cada passo que se dá profana o ressoar. Talvez seja o corpo a funcionar que o provoque mas por mais que se busque não se escuta o coração, apenas e sempre o som grave, que nem som é em verdade, e que após cada ruído, cada passo, cada gota, surge de rompante novamente, como uma onda furiosa a rebentar que se desloca algures entre os espaços, nem dentro nem fora do corpo, mas em contacto com o mesmo.
Agora abdicara mesmo de se mover. Agora abdicara mesmo de se mover. Agora abdicara porque havia encontrado um local mais seco, sem as gotas a trautearem as suas quedas, sem profanações. Agora abdicara mesmo de se mover porque se havia entretido a procurar na tranquilidade da escuridão a natureza da sua inquietude.
E quando se escuta com cuidado, nada ouvindo, encontra-se uma noção de urgência que se escapa, algo de electrizante que parece inflamar as faces ao mesmo tempo que aparenta ocupar todo o cérebro ao ponto de o poder fazer rebentar. Há algo neste sono dos fotões que apela à desumanização, como se fosse possível sondar algo que não é mas que existe, como se todas as contradições pudessem coexistir para além do Caos e da Ordem, mesmo além dos cachos de Universos e dos caules que os unem. Um passo, outro passo, mais um passo ainda, quebra-se a multidão de silêncio, desfia-se o pensamento em pequenas cordas vibrantes que se estendem até pouco mais que o infinito.
Agora decidia mover-se. Agora decidia mover-se. Agora decidia-se porque não lhe restava escolha. Pudesse eu falar com ele e dizia-lhe o que via. Sem que se desse conta ele mesmo se desfiava a cada passo mesmo quando quieto. Atrás de si no Tempo uma linha por cada parte de si, um tecido impossível de conceber em que ele mesmo se iria diluir. Um emaranhado de tudo o que foi desagua no que é agora e mesmo olhando para trás não o veremos, não vemos o passado mesmo quando ele estrondoso nos vibra. E não adianta procurar ângulos novos, perspectivas... Acende-se por dentro um turbilhão com um vislumbre, a própria mente dobra-se sobre si mesma, como que por momentos lançando-se nesse outro sentido, algures entre os espaços, nem dentro nem fora do corpo, mas em contacto com o mesmo.
Quebrou a escuridão com o silvar do isqueiro.
Sereno seguiu pelas avenidas de sonhos de Tritão, contemplando a majestade gélida que mais que uma presença no horizonte era o Horizonte em si. E ali ficou contemplando até emergir a coragem para os próximos passos, agora bastava-lhe o que via, o irradiar gélido e luminescente pleno de glória e o fumo do pica que fumava a despenhar-se gelado sobre o solo. O fumo a estilhaçar-se, crepitando mal lhe saía das narinas e que formava, lentamente conforme se aglomerava, uma pequena torre cinza mas de ténue brilho azul. Menos que uma torre seria um pequeno monte, mas a esperança, a ambição e sobretudo a liberdade a que se dava no Tempo, permitiam-lhe aspirar a uma torre, não fosse a escuridão voltar.